"Tenho um amigo que navega muito em sites estrangeiros
por questões terapêuticas. Em vez de ir ao psicólogo recompor-se das
agruras encontrou um método mais barato: passa os olhos por
oportunidades de carreira fora de Portugal e assim mantém uma perspetiva
equilibrada sobre a realidade. O que ele descobriu é bom: nem todos os
países têm um outlook tão negro como o nosso - há negócios, há
crescimento, há emprego por esse mundo fora -, e só perceber isso já é
um grande alívio.
Esta semana, por exemplo, a Economist publicava um anúncio de emprego inesperado. A Rainha de Inglaterra - na verdade o Ministério das Finanças - acaba de lançar um concurso para o cargo de governador do Banco Central de Inglaterra. O atual governador, Marvyn King, termina o mandato em junho, é preciso encontrar um substituto e nada melhor do que um anúncio para escolher o mais capaz. Quem souber de macroeconomia e for "bom comunicador" (cito o reclame) pode enviar o CV. Deixo aqui o e-mail: boe.governor@hmtreasury.gsi.gov.uk.
Por razões evidentes, não estou a pensar em Gaspar. Estou apenas a confirmar que somos especiais. Não me lembro de uma única oferta de emprego para cargos de topo nacionais. Nem no Banco de Portugal, nem em qualquer regulador, nem sequer em empresas públicas. Julgo até que poderia ser considerado perigoso um anúncio assim. Nós temos outro método de escolha. Resolvemos tudo em segredo, a meio de uma jantarada, e é nessa atmosfera íntima que se estabelece a cumplicidade que garante o êxito de Portugal.
Este método de recrutamento tem imensas vantagens. Não se perde tempo com maçadas: pesquisas, entrevistas, etc. Os candidatos são quase sempre os mesmos, capazes até de acumular responsabilidades extraordinárias em sectores da mais diversa natureza. E há sempre uma justificação para as contratações: uma relação direta entre o contratado, quem contrata e a confiança pessoal que unirá os dois para sempre. É uma forma muito particular de transparência em assuntos do Estado.
Nos próximos dias, só para dar um exemplo,
vamos ficar a saber quem são os administradores nomeados pelo Governo
para o BCP e o BPI. São lugares muito relevantes que permitem estar onde
ainda está algum dinheiro. Não falta gente capaz de os desempenhar.
Gente que sabe de banca, risco de crédito e essas minudências. O
problema é que estes gestores (em regra) não jantam com as pessoas,
digamos, mais adequadas. Resta-lhes navegar na Internet e ler os
classificados da Economist. Talvez um dia se safem ao serviço da Rainha."
(André Macedo, in Diário de Notícias)
Eu sei que, apesar de hoje até ser dia de manifestação, normalmente as
sexta-feiras não são para deprimir, mas este texto é tão verdade que não
podia deixar de partilhar. Esta, por acaso, foi uma questão que
já me coloquei diversas vezes. Porque raio não são contratadas pessoas com
verdadeiro mérito para os altos cargos da sociedade e das empresas?
Porque é que não há um procedimento normal de candidatura e avaliação do perfil desses candidatos? Porque é que são sempre os mesmos, sempre a rodar, sempre a acumular
funções, só porque se sentam nas mesas certas com as pessoas certas? Não haverá melhores
pessoas, com mais qualificações (e, quem sabe, menos ganância) e experiência para
esses cargos? E quem pensa que isto podia ser um mal do mundo inteiro e
não só de Portugal, pode ver o exemplo dado pelo Ministério das Finanças
inglês e sentir que se calhar temos andado todos a dormir demais por aqui.
2 comentários:
Não vejo como este post poderá ser negativo. Precisamos de nos informar. Até podemos estar apenas a abrir os olhos agora, mas temos de o continuar a fazer, a perceber que o mundo é melhor e mais decente que isto. Para poder haver mudança.
Confesso que isto chegou a um ponto em que já não acredito que poderíamos reverter a situação como antes, mas isso não é motivo para baixar os braços e desistir.
Amanhã sempre está de pé o get together? :)
Está em pé sim! Enviei mensagem para o teu Fb agora mesmo. Beijo. :)
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