sexta-feira, 16 de agosto de 2013

a minha avó.

Fez ontem uma semana que perdi a minha avó, a minha segunda mãe, a minha amiga. Ainda não tinha conseguido escrever nada porque, à medida que o vou fazendo, percebo que o meu amor por ela não caberá em nenhuma das minhas frases. Mas posso tentar. 

Foram 26 anos. Eu era a única neta dela e há já alguns anos que ela era a minha única avó. Cresci com ela, no colo dela, na casa dela. Casa onde eu andava a brincar debaixo das mesas e em cima dos sofás, onde fazia playback com velhos discos do Marco Paulo e dos Abba e um comando na mão, onde passava manhãs inteiras de férias a ver desenhos-animados e a fazer desenhos. Ela deixava-me ajudá-la com a limpar o pó ("é para limpar o tecto das prateleiras, avó?"), a lavar a loiça (em cima de uma cadeira, quando nem chegava ao lava-loiças) e a tomar conta do carrinho das compras quando íamos à praça todas as manhãs. Deixava-me brincar com a maquilhagem, contava-me histórias (a eterna história do macaco sem rabo, por ex.) e levava-me ao jardim todas as tardes, sempre com um termo de chá e pão com fiambre para eu lanchar quando já estava cansada e suficientemente cheia de pó. Ensinou-me muita coisa, transmitiu-me valores que tento manter até hoje, moldou a minha personalidade. Rimos muito e chorámos também. Uma parte de mim é a minha avó e agora sinto que me falta um pedaço. Penso nela todos os dias, várias vezes ao dia. Quando o telefone tocou às 8h00 de quinta-feira, o meu primeiro pensamento foi esperar que ela tivesse partido durante o sono, como eu acho que foi, porque ela tinha tanto medo da morte. Sempre foi uma pessoa cheia de vida que, com mais ou menos dores, dependendo dos dias, sempre gostou de fazer as coisas por si mesma. Foi tudo rápido de mais, mas talvez não pudesse ter acontecido de maneira diferente. Ela não tinha feitio para estar num lar, cada vez mais incapaz e à mercê dos cuidados de desconhecidos. 

Há dias, quando estou deitada e algures entre o acordar e o sono, em que ainda a oiço a falar e espero nunca mais me esquecer do som daquela voz. Às vezes penso que não lhe disse vezes suficientes o quanto gostava dela. Ainda choro. Pensar que nunca mais vou encontrar conforto no colo dela, como sempre fazia. Que nunca mais me vou rir de a ouvir refilar por tudo e mais alguma coisa. Que nunca mais lhe vou ouvir a gargalhada, que é tão parecida com a minha. É uma saudade e uma sensação de vazio que não vão passar de um dia para o outro e às quais me vou habituando lentamente. 

Entre todas as mensagens carinhosas que recebi de amigos, familiares e colegas (que agradeço muito), houve uma que me marcou especialmente e fez todo o sentido: "Podia dizer que melhora com o tempo, mas ainda não cheguei a essa fase. Só sei que a sensação de perda vai dando lugar a uma saudade boa, efabulada, quase mitológica, e que nos diz de onde somos e porque somos. Essa existência passa a ser um segredo nosso, íntimo e espiritual, que decidimos partilhar às vezes e sabemos ser indestrutível. enquanto viveres, viverão as duas. E depois as outras que virão e assim viverão para sempre."

Eu não tenho religião. Não sei se existe o Céu, mas a minha avó também não acreditava nele. Não sei se existe algo para além da vida, seja a reencarnação, a ressurreição ou outra coisa qualquer, mas, se existir, espero que haja algo de bom guardado para a minha avó, que foi uma boa mulher até ao fim dos seus dias. Acredito, no entanto, que honramos a memória das pessoas mantendo e fazendo passar o seu legado e os ensinamentos que nos deixaram... E é isso que vou fazer, enquanto puder.

Quando era nova, a minha avó fez teatro de revista e cantava muito bem, principalmente fado. E gostava muito da Amália Rodrigues (ainda a ouvi cantar a "Mouraria" algumas vezes), por isso não encontro melhor forma de a homenagear também.



Adeus, avó.

4 comentários:

Analog Girl disse...

Lembrar-me da voz também foi algo de muito importante para mim. Acho que nunca se esquece. Ainda me lembro da voz da minha bisa e ela já foi embora há tanto tempo.
Tenho pena de nunca ter ouvido a tua avó a cantar.
E esse bocadinho de ti que agora parece vazio em breve irá sendo preenchido com mais recordações e o carinho que lhe tinhas.
Costumo dizer que ficamos com um buraquinho no coração, onde muita coisa se constrói á volta e o estreita, mas será sempre profundo, tão profundo como o amor. A dor que deixa lembra-nos disso, mas não temos de viver em dor para relembrar esse amor que fica.
Um beijinho minha querida

N disse...

Só te posso mandar um grande, grande beijinho e oferecer colo, que não é de avó, mas é colo.

Unknown disse...

Um abraço muito apertado querida

Cláudia disse...

Um grande abraço, embora nestas alturas nada ajude... fiquei com lágrima no canto do olho ao ler-te.