quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Das metáforas do Saramago e das catástrofes naturais.

No Haiti, já não existem casas, hospitais, esquadras de polícia, igrejas e, de momento, nem electricidade. Enquanto que uns ajudam a salvar pessoas e retirar mortos dos escombros, outros choram e gritam e, os mais monstruosos, roubam e incendeiam o que resta, como se isso lhes fosse valer de muito numa cidade em ruínas. Curiosamente, ontem acabei de ler "O Ensaio Sobre A Cegueira", do Saramago e, parvoíce minha ou não, encontro muitas relações entre o livro e aquilo que se vê acontecer no Haiti (e não só, claro). A cegueira é no livro uma metáfora da desumanização, do homem reduzido a um estado de indignidade tal que o faz despertar para um estado animal, de crueldade, violência e de sobrevivência do mais forte. É assim que vejo, pela televisão, a situação dos habitantes daquele pedacinho de ilha. Habitantes de um país que está em guerra há anos, já quase nem devem saber porquê, vêem-se reduzidos a quase nada, sentados nas beiras dos passeios sem saberem para onde ir, enquanto que outros ainda se contentam com pilhagens. Mas, tal como descreve Vítor Aguiar e Silva na contracapa do livro, "no meio desta catástrofe horrenda, no meio de tanta miséria física e moral, de tanta dor e tanta aflição, a esperança do homem ainda guarda sentido, alimentada por uma tenaz consciência moral, pela capacidade espantosa de sacrifício e pela generosidade de alguns (...)". Felizmente, há quem queira ajudar, não só habitantes locais, mas também de outros países, seja por motivações religiosas, políticas ou por pura compaixão. Felizmente, existe a Cruz Vermelha, que foi a primeira a ter uma equipa destacada para o local e que, a par de outras organizações humanitárias ajuda quem mais precisa em todo o mundo. Felizmente, existem ainda pessoas que, não podendo ajudar fisicamente, vão querer doar dinheiro para a reconstrução. Felizmente, no meio do egocentrismo que faz o mundo de hoje girar (ou não), ainda existem pessoas que conseguem fazer a diferença.  "E após a expiação, o sofrimento inumano e a morte de muitos, os cegos começaram de novo a ver...".

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